quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Mentira


A filosofia assim como a ciência por séculos persegue a verdade como sendo o fim de tudo, o princípio e a origem. A teologia, também, através do texto sagrado, revelou para nós que sem a verdade ninguém poderá ser salvo. A verdade, enfim é a nossa sina e desejo, desde sempre dos homens, das mulheres, mas é só um desejo e não uma vontade incontida.
Os homens desejam a verdade? Historicamente parece que sim, mas na prática da vida cotidiana isto se revela estranho, afinal, o que mais se faz no dia-a-dia é contar pequenas e/ou grandes mentiras para se safar de situações constrangedoras, para se tirar vantagem moral ou financeira. Pior ainda, por vezes se mente por mentir, só pelo prazer de fazer.
Os anos de vida foram me convencendo que a verdade é um problema do outro, ou seja, nos preocupamos em não sermos enganados por um mentiroso, próximo, a mulher, o marido, o namorado, o filho; ou por aquele que é distante um parceiro de trabalho, o chefe, o motorista do taxi etc.. . Na proporção inversa que somos tão mentirosos quanto possível para vivermos ou nos darmos bem, o problema não sou eu mentir, o problema é mentirem para mim.
Se existem pesquisas sobre o índice de mentirosos entre nós eu desconheço, mas aposto que se perguntarmos a um número considerável de homens e mulheres todos serão absolutamente sinceros em mentir, dizendo que mentem pouco, na mesma medida que odeiam os mentirosos, nenhuma novidade constatarmos que somos uma sociedade de hipócritas.
O mundo burguês é antes de tudo um lugar no qual a hipocrisia se fez presente como em nenhum outro momento de nossa história, desprezamos o religioso, construímos uma sociedade laica, não temos mais temores transcendentais, todos os medos se resumem a nossa mísera e porca vida material, onde o se dar bem, o sucesso é o fim último de todos.
Atento para afirmar que longe de mim acreditar que o simples fato da fundação de uma sociedade e uma cultura laica seja o redutor de todas as nossas mentiras, este é apenas o ponto mais evidente das nossas vidas burguesas, o bom e velho Platão, tinha razão ao afirmar que as aparências nos levam para uma zona de sombras e obscurantismo, e ser burguês, assim como eu e você, é viver neste lugar de penumbra no qual nos esforçamos todos os dias para parecer ser, apenas parecer. Haveria mentira maior e mais mal(u) contada do que este estado de aparências que nos rodeia?
Em nenhum momento da nossa breve história civilizatória, mentimos tanto, ou seria mais elegante afirmar, omitimos tanto o que e quem somos, estamos o tempo todo, todo tempo, querendo parecer ser mais rico, mais inteligente, mais influente, mais magro, mais bonito, mais jovem, mais poderoso, mais sexy, mais generoso, mais esperto, mais eficaz, mais fiel, mais justo, mais felizes do que na verdade somos.  Em fim de contas existe mentira maior do que parecer aquilo que não se é?
Uma vida burguesa feliz demanda omitirmos o que de fato somos e, esforço maior nos é exigido cotidianamente para que as aparências se mantenham vivas, nosso hedonismo, tudo faz pelo prazer de parecer mais, não consigo dimensionar as conseqüências desta realidade para nossa cultura no médio e longo prazo, mas o fato é que em verdade, querer ser verdadeiro é uma mentira para nós.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A Ética do Cínico


Em sociedades mais equilibradas e civilizadas, não gosto da palavra desenvolvida ela remete a uma idéia de progresso e avanço técnico e tecnológico que necessariamente não condizem com a condição civilizatória da sociedade, e os norte-americanos são um bom exemplo deste anacronismo, a riqueza e o poderio técnico não faz dos Estados Unidos um lugar desprovido de barbarismos e crises sociais graves, recheadas de violências, segregação e preconceito.
Mas, o que me incomoda é a condição de ser brasileiro, de ser cidadão e o quanto somos impelidos cotidianamente a nos tornarmos cínicos. O cinismo é o contrário do ético, explico, um sujeito ético tem preceitos, princípios e valores claros que norteiam sua vida. Ser ético é fazer das pequenas ou grandes coisas do dia-a-dia algo simples, se paro no semáforo o faço não por temor do guarda escondido atrás de um poste pronto a multar, mas sim, porque sei que é meu dever e por respeito ao pedestre e aos outros motoristas, simples assim, não se age por temor, ou mesmo obrigação, se age pela convicção de se estar fazendo o certo, nada mais.
O cínico passa o semáforo porque ele tem compromissos inadiáveis, porque a sua  pressa é mais pressa que a de qualquer outro, o cínico justifica seus atos com argumentos sempre descabidos e imorais, bem dito que o descabido e imoral é para quem ouve, porque para o cínico tudo se explica dentro da sua lógica simplória, do sempre foi assim, ou se eu não fizer o outro fará.
A questão é que todos os dias somos convidados a não sermos éticos com coisa alguma em nossa vida, e pior, somos açoitados por exemplos e mais exemplos de barbarismos, violências e atos de usurpação do poder no limite do que se possa compreender como razoável.
As conseqüências de se viver em uma sociedade de espertos, de malandros e bárbaros é nos transformarmos em cínicos confessos, e os cínicos são aqueles que ao invés de se indignarem, apenas dão de ombros como quem atesta que isto não tem nada a ver comigo, isto é problema dos outros, ou se fosse comigo eu faria o mesmo.
Os males que acompanham a transformação do ético em cínico é achar, entender e explicar o mal como algo normal, aceitável, quando em verdade nada que esteja fora da compreensão e razoabilidade do civilizado pode ser aceito ou tomado como normal, ao nos comportarmos assim, apenas e tão somente nos fazemos cínicos empedernidos.
Os cínicos vêm tudo sob uma ótica particular, própria, pois nada está de fato fora do lugar, tudo parece tolerável, todo cínico é por convicção leviano, ao menos com a realidade ele o é, “porque afinal tudo é como é. É assim mesmo.” É esta a ética do cínico.
O cínico é oportunista, ele se põe diante das situações preparado para tirar proveito, desconhece pudores morais, abstrai qualquer questão de consciência, o cínico não precisa de autorização para agir, ele faz para si e só para si, se assim o convier, para o cínico, o outro não existe, somos uma nação pródiga neste fenômeno, os cínicos parecem brotar na vida social por geração espontânea e ser ético parece a cada dia algo destituído de sentido e significado.
A nossa necessidade civilizadora e civilizatória precisa ser educada, sem o que, ficaremos ainda por gerações e gerações debatendo e nos debatendo não sobre o óbvio, mas sobre o inaceitável, que o digam os nossos homens públicos, as celebridades, os policiais, os banqueiros, os fiscais,..