segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A FAMÍLIA e ALGUMAS QUESTÕES

Em Anna Karênina Tolstói afirma, Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.  Em tempos tão confusos e conturbados, pais e mães correm e apontam para todos os lados para saber como educar seus filhos, e assim, como tudo neste mundo regido pelo capital é um negócio, e tem custos, há manuais e especialistas para ensinar a ser pai e mãe.
Em verdade não são nem os custos e nem os especialistas que são o problema, até porque somos livres para gastar e prover a vida como bem desejamos ou como bem podemos fazê-lo, o problema na verdade é querer encontrar respostas ou caminhos para aquilo que na verdade está não fora de nós, mas sim dentro de nós. Explico.
A paternidade e a maternidade planejada, ou não, requer e exige de cada homem e de cada mulher uma reflexão profunda e séria, os filhos não são um projeto ou um ser sob o qual se possam depositar expectativas, vontades e desejos que somente a nós pertencem. A primeira coisa que escapa aos pais é que seus filhos são humanos e assim eles vivem, assim eles serão para todo o sempre, dessa forma, filhos que erram, filhos que não aprendem, filhos que brigam, não são nada além de humanas pessoas, sujeitos normais.
A infelicidade e a insegurança da qual se revestem a paternidade e maternidade hoje, se assemelham mais a incapacidade manifesta de alguns pais e algumas mães em reconhecer que a educação dos filhos demanda um quê de preceitos, um tanto em desuso em nossas vidas, algo como bom senso e equilíbrio;esses, quando dosados a uma vida com rotinas e valores claros facilitam um tanto o caminho que nos leva em direção à felicidade de se ter uma boa família, e isto está dentro de cada um nós.
Por razões que não caberiam aqui neste artigo discutir, os pais começaram a acreditar que para fora do corpo familiar se poderia encontrar mais que aliados da família, os pais buscaram na escola um cúmplice dos seus projetos e da educação de seus filhos, quando na verdade nada pode  substituir pai e mãe na educação dos filhos, nada pode valer mais que a presença viva e intensa de sujeitos capazes de responderem pela sua prole.
A infelicidade da qual fala Tolstói é particular porque a dor sempre parece ser única, somente nossa, enquanto a felicidade se apresenta como um bem universalizado, tendo em comum amor e devoção dosados pelo bom senso. A infelicidade tem ao menos algo que é igual em todas as famílias, a sensação profunda de uma ingratidão dos filhos para com os pais, porque todos os pais, sem exceção, diante da infelicidade familiar tomam para si a certeza da ingratidão dos filhos.
Como afirmou Julio Cortázar, os filhos não são ingratos, eles apenas retribuem o que nós, como pais, oferecemos a eles, se formos omissos teremos deles silêncio, se dermos uma proteção desmedida, teremos em retribuição filhos que errarão mais, se damos um amor incondicional e cego em troca teremos um sujeito cego de responsabilidade.
A infelicidade de Tolstoi na família não é diferente da ingratidão atestada por Cortázar, elas são parte de um mesmo todo, pois não basta ter amor ou vontade para ser pai e mãe, é preciso algo mais e maior, é preciso ser adulto o suficiente para transformar a continuação de nós, a parte mais fina de nós em sujeitos, em seres humanizados e neste ponto não são instintos que podem nos guiar ou ajudar, mas, somente a maturidade crítica que nos distingue de todos os demais seres.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

ROMEU E JULIETA


         Nada melhor na vida do que se apaixonar, nada melhor, e quando se é adolescente, é melhor ainda. Descobre-se a si, e ao mesmo tempo o outro se mostra para nós, disponibilizando a alma e principalmente o corpo.
         Desconheço, porém, momento de maior angústia e medo para os pais do que este. Nada se compara a ele, são tantas as razões deste mal estar que apenas arrolo as que acredito são as principais; primeiro: pai e mãe constatam que estão envelhecendo, vislumbrar a maturidade dos filhos é se perceber perto da velhice; segundo: nada ou quase se consegue fazer para se demover um filho/a adolescente de um “grande amor”; terceiro: via de regra, e o que afirmo não vale para todos, se detesta a figura amada pelos nossos filhos por ver nele um concorrente ao incondicional do amor de pai e mãe.
         Se a vida madura deve ser pautada pelo equilíbrio e bom senso, mesmo quando se ama, a adolescência é o lugar do desequilíbrio saudável e da irracionalidade quando se fala de amor, porque neste momento da vida tudo é tão intenso, tudo é tão pleno de sentido que nada parece escapar, tudo, e principalmente o amor precisa ser vivido intensamente, sem rodeios, sem restrições.
         A intensidade que cerca a adolescência é a mesma que produz um estado de onipotência e onisciência nela, na qual tudo precisa e deve ser vivido de forma irremediavelmente humana, com todos os riscos, com todas as felicidades e com todas as dores. Ao se sentir onisciente, o adolescente também se sente incapaz de ser derrotado ou maculado em seu corpo e em sua alma. Evidente também que são estes estados não de permanência, mas presentes na condição adolescente o que geram conflitos internos e com aqueles que estão próximos.
         Viver conflitos é em nosso entender o melhor que pode haver na juventude, enfrentar pai e mãe garante a formação do caráter e estreita os laços entre pais e filhos, e o melhor lugar para se travar este combate é quando se fala de amor. Jovens de 16, 17, 18 anos não toleram que seus pais possam influir na sua vida afetiva, amar é uma condição íntima, mais, muito mais que privada, pois só ao que ama e ao ser amado cabe compreender e julgar. Isto, porém não é verdade para pais e mães. Querer influenciar os filhos, estabelecer juízos de valor e juízos morais sobre os namorados/as é algo incontrolável, porém é fonte de grandes conflitos e acabam servindo como linhas demarcadoras de passagem para a vida adulta.
         Pensamos aqui naqueles namoros que se prolongam no tempo, que ocupam telefones por tempos a fio, que boicotam viagens e reuniões familiares e que constrangem os pais ao querer franquear quartos e aposentos para o amado/a na casa da família.
         Rapidamente a vida de pai e mãe acabará engolfada pela mais terrível das evidências, pouco se pode fazer para mudar o coração dos filhos, o amor incondicional paterno/materno é frágil diante da paixão arrebatadora, posta em uma condição que nós adultos bem conhecemos, pois não podemos e não temos instrumentos para lutar contra.
         A percepção do amor sentido e vivido pelos filhos é sempre motivo de culpa para os pais todas as vezes que algo der errado, a verdadeira paternidade/maternidade sente-se responsável pela dor sofrida pelos filhos, mesmo que sejam estas dores parte daquilo que irá edificar a vida madura.
         O encontro entre dois amantes, como Romeu e Julieta, quando mediatizado por um terceiro acaba sempre sendo trágico, produto de sofrimento e dor, porque o amor, especialmente quando é ele uma descoberta, não pode ser dividido, explicado ou entendido por qualquer outro, somente por quem ama e é amado. Além do diálogo intenso e sincero entre pais e filhos apaixonados, no qual a nossa experiência se torna atributo e virtude e os filhos cúmplices confidentes de nós, pouco ou nada podemos fazer, afinal quem de nós acredita que proibir um namoro, trancafiar um filho/a em casa ou mandá-lo para longe, fará seu coração esquecer engana-se, ou porque não sabe mais o que é amar, ou porque não conhece mais seu filho/ª.

OS ADULTOS ESTÃO DE FÉRIAS


         A terra do nunca é aqui; o mundo Peter Pan já chegou e ainda uma boa parte das pessoas não se deu conta, mas ela está entre nós. Adultos que não querem crescer e crianças que nem sabem o que é ser criança parecem estar por todas as partes.
         Seria irrelevante lembrar se a maioria não esquecesse o que aconteceu com a família nuclear nestes últimos trinta anos, o uso seguro de contraceptivos associados a uma mulher mais inteligente, mais independente e, por conseguinte, mais rica para ser dona de seus destinos, fez dos homens seres omissos na maioria das relações familiares.
         Com as mulheres podendo decidir a vida familiar junto com os homens tudo ficou e ainda continua um tanto confuso na vida privada, já que igualdade de condições de ambos aliada a uma prole cada vez menor  exige posturas outras das classes médias altas no trato das coisas da família.
         Uma ponderação que ainda não se fez presente na maioria dos lares. Existe uma infatilização crescente dos adultos, sujeitos que parecem viver entre a puberdade e adolescência não em tempo contínuo, mas como se fossem espasmos de um psicopata. Se parece forte tal termo o que dizer de pais que questionam seus filhos de 4, 5 anos sobre coisas do tipo, “você quer estudar nesta escola? Você gosta daqui?” Adultos que não querem decidir nada ao lado de crianças que não sabem como e porque decidir.
         Este adulto é o mesmo que se incapacita de dizer NÃO        a seus filhos e em alguns momentos se veste como seus filhos, junta bichinhos de pelúcia como seus filhos, gosta de filmes feitos para seus filhos e vão a escola defender seus filhos, de tudo e de todos.
         Quando vistos através da escola, estes pais mais se assemelham a sujeitos inseguros que vivem no limiar entre a condescendência absoluta e a incapacidade de responder a que se presta a maternidade/paternidade. Como um dever a ser cumprido frente aos filhos os pais se obriga, a não contrariar na mesma medida que se esquecem das condições formativas na qual vivem seus filhos, invertendo a condição natural da paternidade/maternidade, ao invés de se empenharem para transformar as crianças e adolescentes em adultos, são os adultos que se fazem infantis.
         Como uma nuvem que paira sobre estes adultos, há uma insegurança presente na fala, nas ações deles frente aos filhos e junto ao mundo que com eles se relaciona imediatamente. Esta insegurança se traduz em palavras e atos de acantonamento das pequenas e grandes coisas que regem a vida cotidiana das relações paternas com seus filhos. Creio que em uma cultura narcisista como a nossa na qual o individualismo é cada vez mais levado as últimas conseqüências, a condição paterna/materna se encontra sistematicamente em xeque, olhar para si tendo que também olhar pelo outro, meu filho, eleva nos adultos a insegurança da mesma forma que recoloca as suas relações com o mundo exterior como sendo tensas e pautadas por razão muito mais infantil do que adulta.

PORQUE EU TE AMO! AS CONTRADIÇÕES DO AMOR DOS PAIS


No amor paterno/materno a liberdade inexiste por concepção e crença dos criadores e não das criaturas amadas, justamente por serem pai/mãe, criadores, acredita-se que há um elo de amor infinito e indissociável que une os dois lados e não há liberdade de se escolher, de se querer ou não romper com tal amor, pois a descrença, a decepção, a mágoa são vistas como menores diante do sentimento outorgado por pai/mãe ao filho.
Se este é um amor sem liberdade, é também um amor de incondicionalidade irrestrita no qual o nível de tolerância e aceitação por parte de pai/mãe em relação ao filho não conhece limites. Do alto da utopia imaginada pelos criadores fica o filho à mercê dos devaneios de pai/mãe. E até enxergam os olhos do coração? Na maioria das vezes os olhos postos sobre o coração são míopes, não conseguem efetivamente perceber que por trás da humanidade do erro, e a vida para fora da redoma protetora da casa, a realidade impõe contradições e reações que, como pai/mãe não se deseja, não se imagina, mas se vive e neste momento as qualidades racionais, motores da nossa existência adulta se perdem por entre sentimentos confusos de resignação, culpa e acolhimento.
Um amor como esse criado por pai/mãe, quando exposto na vida público, e a escola é seu palco privilegiado, revelam o quanto é cego de si e de suas implicações para os filhos, vivi no ambiente escolar dezenas e dezenas de situações no qual os pais se punham a duvidar das atitudes dos filhos, se punham a questionar a lisura da escola e dos educadores por narrarem ações de seus filhos, e antes de crer que seu filho possa ter ofendido, roubado ou agredido, os pais questionam o educador para saber a veracidade dos fatos. Antes de acreditar que seu filho á capaz de cometer desatinos, os pais acreditam que a escola é feita de desatinados, a frase mais dita é: “ele não é assim em casa!” E fantasticamente boa parte dos pais sempre encontra uma justificativa para os atos cometidos por seus filhos, são os olhos do coração, sem nenhum juízo, apoiados pelo amor incondicional quem fala o tempo todo, e mesmo quando os filhos erram, culpados são os outros sejam eles quem for, uma outra criança, uma má companhia adolescente ou mesmo um professor ou educador, mas meu filho não erra! Nunca.
Se for compreensível a quem vive na escola esta postura e discurso dos pais, ela não é em nada tolerável ou aceitável. E o entendimento de tal ação dos pais parece-me bem sustentada no sentimento de amor que unem eles aos seus filhos, e a utopia imaginada por pai/mãe não concebe a hipótese da normalidade infantil ou da intolerância arredia adolescente. Está posto, a partir do sentimento paterno/materno que faça o que fizer os filhos precisam  ser justificados e legitimados na vida pública, se internamente aos pais fica um grande sentimento de culpa pelo erro, ele nunca ou raramente é declarado e a omissão muitas vezes se transforma em conivência com as vontades e desejos dos filhos.
A ideologia do amor paterno/materno fez dos pais reféns de seus filhos, inventam um estatuto próprio para definir as relações de afeto e carinho que unem as duas partes mediado por uma convicção quimérica de que os filhos muitas vezes estão acima do bem e mal, pois dentro do imaginário não se concebe o erro, a dor ou a infelicidade tudo que lá reside, é delimitado pela utopia do projeto humano ideal e idealizado como continuação, melhor e melhorada de si mesmo como sujeito, como cidadão, como homem/mulher, como aluno, como profissional como pai/mãe.
Nos planos ideológicos interpostos a nós tudo se torna dever e verdade em si mesmo, por esta razão é o  plano ideológico algo sobre o qual não se pensa, não se reflete, e como tal se mantém ao nosso redor inamovível, por não sermos aptos a dar eles um estatuto crítico, pois se assim o fizer o julgamento reservado é o da execração, e assim seremos vistos, e postos na berlinda, como pai/mãe desprovidos de sentimento paterno/materno, no limiar entre a barbárie e o delito.
A revelação do amor como sentimento justo que ata a vida dos sujeitos saiu da esfera revolucionária dada pela contra-cultura dos anos 1960 e adentrou o século XXI como perversidade tirânica que rouba de pai/mãe o verdadeiro sentido da paternidade/maternidade responsável e formativa da prole. Como uma corda repleta de nós em um emaranhado no qual não sabemos sequer onde está a ponta que principia tudo, é assim que se vive o amor paterno/materno, por vezes encontra-se a origem e desatam-se alguns nós, por vezes os nós parecem até fáceis de serem soltos, mas sem o princípio da corda tudo parece impossível ou inútil de se fazer.
O mundo burguês deu a nós o privado do amor como fio condutor entre a paternidade/maternidade e existência da prole, mas ao mesmo tempo recobriu o sentimento de uma tirania pontuada pelas mais elementares das metáforas, as vontades materializadas em coisas que decodificam o amor em ato material tangível aos olhos, insensível a alma.