terça-feira, 31 de maio de 2011

O BELO


O senso comum acredita que a beleza é uma questão de gosto, ledo e triste engano, como bem sabia e dizia um grande professor meu na universidade, “mau gosto não se discute, se lamenta”. Estamos cercados, acuados pelo mau gosto, ele parece ser a sina que nos pune todos os dias nas mais diferentes manifestações.
Você está em casa e um idiota com um som altíssimo passa embaixo da sua janela, tocando um funk com letra obtusa em uma voz nasalizada horrenda. Você liga a televisão e lá estão eles, em profusão cantores de vozes guturais falando de um amor vulgar, feito por sujeitos vulgares em situações vulgares. Se não bastasse sertanejos e funkeiros ainda aparecem grupos de toda espécie com músicas de duplo sentido prontos para transformar simples palavras em objetos sexuais e pouco sensuais. Mas não é só a música ruim que invade o cotidiano e atormenta o juízo do bom gosto estético, é as roupas, o linguajar limítrofe que reforça o nosso subdesenvolvimento educacional, linguagem que nos aproxima quase de um submundo cultural e moral.
As imagens que nos cercam todos os dias corroboram para o cenário de horror estético, são cadáveres, tragédias inomináveis exploradas com intensidade fotográfica e imagética, mas sem análise, sem discurso, aquilo se basta para prender o espectador, as pessoas são seduzidas pela feiúra do barbarismo, e creio, sentem prazer com o feio, com o mau gosto, com dores, com sangue em abundância e pessoas em desespero.
Reflito se o prazer com o feio, com o mau gosto, é em si um desejo humano, um sintoma de empobrecimento cultural ou um dado essencialmente humano e que se perpetua em nós como sujeitos, independente da nossa condição civilizatória e educacional.
Antropologicamente quando lemos sobre os diferentes ritos e práticas culturais  cotidianas de povos indígenas, nos mais diversos recantos, fica evidente que estes povos em sua esmagadora maioria se preocupam com a beleza, com a harmonia pacificadora de uma estética do belo. E se conclusão se pode tirar, é que a feiúra não se vincula ao estado civilizador, mas sim ao olhar cultural de uma sociedade para seus pares e da realidade. O nosso nível de primitivismo espanta se levamos em conta os níveis de desenvolvimento tecnológico alcançado por nossa civilização, proporcionalmente inverso a nossa capacidade de elevação estética e fruição da beleza.
O rude provocado pelo feio, nos torna piores, mais insensíveis a vida, menos atentos  aos detalhes, mais dispostos a tolerar a barbárie do que de fato combatê-la, pois acabamos crendo ser possível combater a força pela força, a dor pela dor, a tristeza com mais tristeza porque a falta de sentido estético se compraz muito mais com a força, a dor, o bárbaro e a tristeza do que com a alegria das sutilezas e o singelo prazeroso da beleza.
Educar para o belo é uma tarefa tão difícil quanto ensinar vetores, trigonometria, ou seja, lá quantas outras coisas possam lembrar-nos do currículo escolar, a diferença é que a escola se preocupa com alunos que não sabem estas coisas, mas pouco se atenta para o vazio estético presente na escola, quem sabe seja por esta razão que as nossas escolas em sua maioria são pobres esteticamente, feias mesmo, com paredes padronizadas em cores mortas, algumas quase encardidas, com portas entristecidas em tons iguais, em edifícios horrendos no qual a beleza é uma abstração discursiva resumida a um rompante momentâneo e efêmero.


terça-feira, 24 de maio de 2011

Um Século de Pessimismo


O século XX foi marcado, pelas piores e mais cruéis tragédias que a humanidade viveu, a lista é um cipoal de dores, o massacre de milhares de armênios pelos turcos otomanos; o nazi-fascismo e o genocídio de judeus, ciganos e russos; o marxismo nas suas mais diferentes facetas, o stalinismo, sedento de sangue pôs fim a vida de milhões de russos para dar vazão a planos e agendas de um governo pseudo revolucionário e seus congêneres pelo mundo, como o Camboja de Pol Pot e seu ódio pela vida e pela inteligência; as guerras fratricidas de independência na África; e as ditaduras latino-americanas, que tiveram na Argentina seu ápice, com o assassinato de milhares e o seqüestro dos filhos dos assassinados pelos seus algozes; e hoje na costa Atlântica da África a barbárie se inova, com milhares de crianças sendo arregimentadas e transformadas em assassinos para fazer parte de exércitos na Guiné, na Costa do Marfim, na Libéria.
Estes eventos do século passado contam as vítimas aos milhões, e  deveriam ceifar a confiança de qualquer ser humano na vida, no amanhã, diria que o século XX é o século da desesperança, pensadores importantes como  Theodor Adorno,  Max Horkheimer, Walter Benjamin, Jean Paul Sartre, Hannah Arendt e Albert Camus se esforçaram em mostrar como éramos sujeitos de um tempo sombrio e com severas conotações de decadência.
Um olhar por menos apurado que seja sobre estes tempos sombrios, não conseguiriam ser menos pessimistas com o que poderia estar por vir para os homens, os estados e a própria ciência. Até hoje me deparo com estes pensadores e outros do século passado e por mais eu os admire e me sinta envolvido, e reflita sobre as mais diferentes implicações de seu pensamento, não consigo nem me sentir e ser um pessimista, assim como percebo que o século XXI se deixou tomar por outras formas de pessimismo.
Vivemos hoje acercados pela “certeza, a convicção,” de que o futuro será pior, não pela barbárie ou pela crise na política ou no estado nacional, mas sim porque a natureza se porá contra nós em breve, logo ali á frente. Adianto que não sou um incrédulo da causa verde e do meio ambiente, pelo contrário creio na maioria das ameaças elencadas pelos cientistas e por parte da sociedade civil. A questão é a curiosidade acerca do pessimismo que tomou conta de parcelas das sociedades industriais e ocidentais sobre o nosso futuro. Como não temos mais:  grandes guerras, ou estados tirânicos em profusão, até Cuba parece cada dia mais com um enredo hollywoodiano  sobre uma ilha conhecida, mas governada por velhinhos rabugentos, do que uma realidade de fato, é preciso achar que encontrarmos um bode expiatório para o nosso desejo pessimista.
E nosso desejo se aprofunda em ver a natureza se degradando, quando em verdade acredito que falte a nós retomar os grandes pensadores do século passado e, se indagar se o maior risco somos nós mesmos, a nossa desumanidade desmedida e cada vez mais cruento e irrefletida sobre o que somos e por que existimos, no século do pessimismo passamos ao largo da nossa mais fina crença, e destituímos a igreja de importância, para pareceremos mais livres e civilizados, e assim nos fizemos piores do nunca havíamos sido em qualquer tempo, por nos faltar um guia com a estatura de  João XXIII, que em  pleno século dos pessimistas, dos bárbaros fardados, ou de ternos bem cortados,  ou em túnicas acadêmicas nos re-apresentou o valor de ser cristão e ter como fim último, em tudo que faz apenas e tão somente o bem.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A HOSTILIDADE DA MEMÓRIA


A minha memória é um lugar no qual o maravilhoso se revela em intensidade tal e tamanha que por vezes penso ser ela não a residência das reminiscências e nostalgias, mas sim, o espaço no qual eu sou hostilizado cotidiana e periodicamente por pessoas, lugares, coisas, odores, figuras e sentimentos, uma hostilidade implicante e arrebatadora do presente vivido.
A memória revigora a existência, refaz a vida e seu contínuo de enfado e repetições em fragmentos espetaculares,  reveladores da graça do existir, como antídoto contra as nossas mazelas e tristezas.
Por sermos humanos podemos resgatar todos os cacos do passado, todas as experiências vividas e remontá-las em tão variadas formas e conteúdos que é impossível não se sentir melhor, mais senhor do nosso tempo, e dos cacos, nascem mosaicos prazerosos de serem contemplados dentro de nós.
De todos os fragmentos que eu reúno constantemente, são as pessoas que por mim passaram e por variadas razões eu nunca mais as vi, nunca mais ou verei que povoam minha memória. As lembranças de algumas delas são tão vivas, tão nítidas em mim que consigo trazer os odores, os olhares e pequenos trejeitos, o som e a inflexão da voz, os sorrisos e risadas todos novamente se mostram presentes em mim como se pudesse eu dialogar, tocar e sentir com estas pessoas, os cacos são remontados paulatina e desordenadamente e o prazer, a alegria da memória, acaba sendo pura hostilidade.
Os ruídos criados dentro de nós, no intuito de reviver o tempo vivido, a memória daqueles que um dia vivemos ou convivemos, se transformam em hostilidade ao nos acossar em um desejo de retorno, de querer voltar, e por mais desejado não conseguimos fazê-lo, tudo se mescla entre a contemplação alegre do mosaico formado pelos mais variados cacos e a certeza da ausência, do não mais viver, tocar ou sentir quem a nossa memória aviva.
O hostil não é mal, o hostil não é cruel, o hostil é o primo irmão da ingratidão, covarde, impondo a nós as veredas da nostalgia, que comprime o peito, que atordoa nossas idéias e imperativamente, como um tirano, nos impõe a verdade do tempo vivido e nunca mais revivido, hostilidade indecente, quase obscena, nos põe acuado no canto e provoca desejos, prazeres, sabores, sensações tomadas no tempo passado e nunca mais repetidas.
Queria não precisar da memória, queria, mas toleramos a sua presença provocadora, crendo, ainda ser ela uma parte necessária para nos manter vivo, penso em Guimarães Rosa e um pequeno poema no qual, para subverter a hostilidade da memória, afirma, “eu tenho saudades do futuro”, queria eu poder ter tamanha saudades para  transformar os meus os cacos e seus mosaicos  em um olhar do futuro,  e não, uma insidiosa provocação do passado, vivo dentro de mim, morto no tempo.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

AS PONTES QUE NOS UNEM


As pontes são construídas para que os homens possam transpor obstáculos, para passarmos de um ponto a outro em segurança, porque sempre há algum tipo de risco nos separando do outro extremo.
Quero crer na oportunidade de estar vivo e, assim, poder construir pontes que unam as pessoas aos lugares, aos sentimentos que desconheço, ao desejado e principalmente ao outro. Quando se é jovem não se tem tempo para construir pontes, são sempre melhor buscar atalhos, caminhos alternativos que sejam menos trabalhosos, menos demorados.
Educar em verdade é ensinar a construir pontes, elas não são rápidas de se construir assim como demandam esforço e trabalho constante de nós, certa dose de perseverança e persistência para que se consiga não se deixar abalar pelo desanimo, pelo cansaço, pela descrença ou pelo desamor. Estou convencido ser a perseverança a maior das virtudes do educador, ensinar que não se pode desistir diante das pequenas ou grandes dificuldades, que ao abandonar um projeto, ao abandonar um desejo, ao esquecer um sonho se abre também as portas para a desilusão e o sentimento de fracasso, fio condutor para o imobilismo e a apatia.
Ensinar é fazer o educando vislumbrar as possibilidades postas do outro lado da ponte, e como do outro lado sempre pode haver algo desejado, o segredo da educação é fazer com que os alunos não encontrem em nós respostas, mas sim as perguntas certas para se sentirem capazes de seguir em frente, pois não se pode ensinar que uma ponte, ao nos levar para o outro lado, ao encontro de alguém ou de algo, é a mesma que nos permite retornar em segurança ao ponto inicial se assim o quisermos.
Ao construirmos pontes podemos avançar assim como estamos seguros de, se necessitarmos, poder retornar, mas esta é uma percepção aprendida na árdua tarefa do educar de todos os dias, pois na maioria das vezes é sempre mais fácil seguir pelo mais fácil, correr riscos mesmo que não se saiba quais é e ao fim do caminho não saber como voltar, ou ao fazê-lo se colocar em perigo, como a maioria dos adolescentes e jovens faz, ou simplesmente desprezar o fato de que, onde existe uma ponte, é sempre possível seguir adiante pelo mesmo lugar que se pode retornar ao ponto de partida.
É preciso construir pontes para passarmos pela barbárie, pela desumanidade de um mundo cada vez mais desapegado do humano, ensinar é poder transpor com inteligência e sabedoria os rios de contrariedades e violências físicas e simbólicas presentes em nosso cotidiano. Não é fácil ensinar a construir pontes, não para si, mas para o outro, não para hoje, mas para amanhã e sempre, não é fácil educar, não é simples viver e crescer, mas é virtuoso conhecer como se constroem pontes.