domingo, 27 de março de 2011

PENSO, LOGO PORTANTO, NÃO EXISTO



         É cada vez mais difícil e caro viver em nossos dias, não sou e nem desejo o passado, mas o que hoje somos é algo tão espetacularmente diferente do que foram antepassados recentes, como os nossos avós, assim como com os nossos mais remotos ascendentes.
        A dificuldade em se viver o cotidiano se dá pela quantidade de novidades que rapidamente vão sendo incorporadas as nossas vidas e tornam-se imprescindíveis assim que habitam nossas vidas. Nem eu, nenhum homem ou mulher com 35 ou mais anos, acreditou na sua infância ou juventude que uma TV pudesse e precisasse ter 80, 100, 120 canais, ou mesmo que uma pessoa comum, para se sentir segura e mais aceita em seu ambiente social, profissional e até familiar, necessitasse ter dúzias de sapatos, há um século dois ou três calçados acompanhavam a existência de um ser humano, entre o nascimento e a morte.
         Poderíamos listar aqui uma quantidade imensa de coisas que fazem parte da nossa vida e que havendo algum bom senso e equilíbrio de nossa parte poderíamos simplesmente dispensar. Falo isto não porque sou sovina ou um chato que tem medo da modernidade, é porque há, é fato, um excesso, um exagero em nossas vidas.
         Por que precisamos de coisas aos pares, as dúzias, as dezenas e as vezes as centenas? Por que precisamos nos matar de trabalhar para ter coisas efêmeras e que muitas vezes mal conseguimos usufruir ou saber ao certo qual a sua finalidade cotidiana? E antes que digam que sou ranzinza digo que a internet e o computador pessoal são de longe a maior maravilha de todas, não imagino minha vida sem eles, é admirável poder fazer o que se faz combinando estas duas coisas, mas de verdade, para além delas não consigo me empolgar com nada mais, nem carros, nem celulares nada mais, até porque a internet me abre as portas para o conhecer de coisas que eu nunca poderia imaginar antes, ela é um simples consumo, um ter, um é um de fato.
         Diante desta avalanche de novas necessidades criadas em nossas vidas, educar continua sendo o que é, algo simples, entre dois sujeitos que por serem humanos e racionais pode acontecer, o que me preocupa de fato é que em meio a tantas coisas mais importantes para se ter, para se conquistar, para fazer  parecer ser alguém melhor, muito melhor do que somos, educar-se se revela algo destituído de significado aparente, afinal diferente de tudo que possa nos fazer parecer mais, gente educada não tem um letreiro na testa. E se você acha que isto é exagero, muito provavelmente não é negro, não é gordo, e se enquadra dentro de um padrão mediano de beleza e se assim for, você ainda consegue parecer ser alguém dentro destes padrões.
         Que valor pode ter a educação em uma civilização na qual você é aquilo que parece ser, e não aquilo que é? Estou convencido que educar só é ressonante para a maioria das pessoas se ela puder se transformar em status e puder com isso agregar a seu possuidor mais e “melhores” bens, e vai daí, que não falamos em bens como conforto e dignidade, mas em bens como acúmulo puro e simples.
         Tenho para mim que não sou nem romântico e nem poético com a vida, mas uma angústia me persegue, se não pudermos passar por esta existência e deixarmos como legado a bondade, a memória de termos sidos bons, o que restará, ao menos para aqueles que amamos e dividimos nossa existência cotidiana?  Se a prioridade em existir não for esta qual será? Ter duas dúzias de sapatos, vinte calças de marca, uma dezena de bolsas de grife, o celular de última geração e sabe lá Deus o que mais possamos listar em nosso inventário. Fato é, o único meio que temos para nos tornarmos civilizados e nos humanizarmos é nos educando, para além é claro o de viver em sociedade, e o que nós estamos fazendo? Comprando um punhado de coisas banais e fúteis para que possamos parece ser como desejamos, mas não conseguimos nunca ser.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Auto-Engano e a Banalização do Mal



         A sociedade brasileira se notabiliza pelo auto-engano, a capacidade coletiva e consciente de se acreditar o que de fato não é. No último século este país foi louvado por ter um povo pacífico, um lugar sem guerras no qual o caráter nacional era antes de tudo generoso. Tal “verdade” servia bem aos propósitos de um Estado autoritário que tinha como fim negar a cidadania a sua maioria.
         Hoje tal discurso parece mesmo objeto ideológico, um verdadeiro auto-engano, pois vivemos acercados pelo medo, pela certeza que os nossos concidadãos são bárbaros a espreita, prontos a nos trucidar a primeira chance, pelas razões mais insignificantes, um tênis, um relógio, um punhado de trocados.
         Fato é, e ninguém nega, que esta é uma sociedade violenta, muito violenta no qual a vida vale pouco ou nada, a tal ponto que banalizamos o mal e suas conseqüências entre nós. No limite, todos acreditam que boa parte dos nossos problemas são partes constitutivas de nós, ou melhor, de nossa sociedade.
         Esta crença reforça um novo auto-engano, de pior e a mais grave conseqüência para todos, qual seja: queremos reformar a lei, o aparato legal sem antes levarmos em conta os seguintes pontos, objeto central de todo auto-engano que hoje vivemos.
         Primeiro: a polícia no Brasil, para além de ser militarizada é uma instituição desacreditada, a maioria da população a vê, como instrumento da barbárie e não como parte legítima na defesa do cidadão.
         Segundo: as prisões são administradas pelo crime e não pelo Estado, assim sendo apenas se transfere a gestão do mal, para um espaço seguro que é o cárcere e não as ruas.
         Terceiro: ressuscitamos o esquadrão da morte, agora disfarçada de milícia urbana, que serve como ante-sala para o fim do estado de direito na sociedade, já que cidadãos comuns se armam e assumem funções de delegação pública.
         Quarto: o sistema judiciário, não precisa de leis, precisa ser confiável, ágil e responsável.
         Quinto: Auto-Engano é acreditar que se não atacarmos estes quatro pontos elementares, um punhado de novas leis, sejam elas de que tipo for, da redução da menoridade penal á adoção da pena capital nossos problemas serão resolvidos ou minimizados.
         Por fim, é sempre bom lembrar que sociedades que se regulam por processos conscientes de auto-engano, em algum momento acabam se esfacelando, mais que um tecido social frágil, fica-se querendo atacar os efeitos e nunca as causas. O auto-engano produz a desesperança por mover uma sociedade na direção errada, na qual as responsabilidades, os deveres e a consciência são sempre problema ou pertencem a outro, e nunca si.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Tolstói, Cortázar e Nós


Em Anna Karênina Tolstói afirma, Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.  Em tempos tão confusos e conturbados, pais e mães correm e apontam para todos os lados para saber como educar seus filhos, e assim, como tudo neste mundo regido pelo capital, educar é um negócio, e tem custos, há manuais e especialistas para ensinar a ser pai e mãe.
Em verdade não são nem os custos e nem os especialistas que são o problema, até porque somos livres para gastar e prover a vida como bem desejamos ou como bem podemos fazê-lo, o problema na verdade é querer encontrar respostas ou caminhos para aquilo que na verdade está não fora de nós, mas sim dentro de nós. Explico.
A paternidade e a maternidade planejada, ou não, requer e exige de cada homem e de cada mulher uma reflexão profunda e séria, os filhos não são um projeto, ou um ser sob o qual se possa  depositar expectativas, vontades e desejos que somente a nós pertencem. A primeira coisa que escapa aos pais é que seus filhos são humanos e assim eles vivem assim eles serão para todo o sempre, desta forma, filhos que erram filhos que não aprendem, filhos que brigam, não são nada além de humanas pessoas, sujeitos normais.
A infelicidade e a insegurança da qual se revestem a paternidade e maternidade hoje, se assemelham mais a incapacidade manifesta de alguns pais e algumas mães em reconhecer que a educação dos filhos demanda um quê de preceitos, um tanto em desuso em nossas vidas, algo como bom senso e equilíbrio; esses, quando dosados a uma vida com rotinas e valores claros facilitam um tanto o caminho que nos leva em direção à felicidade de se ter uma boa família, e isto está dentro de cada um nós.
Por razões que não caberiam aqui neste artigo discutir, os pais começaram a acreditar que para fora do corpo familiar se poderia encontrar mais que aliados da família, os pais buscaram na escola um cúmplice dos seus projetos e da educação de seus filhos, quando na verdade nada pode  substituir pai e mãe na educação dos filhos, nada pode valer mais que a presença viva e intensa de sujeitos capazes de responderem pela sua prole.
A infelicidade da qual fala Tolstói é particular porque a dor sempre parece ser única, somente nossa, enquanto a felicidade se apresenta como um bem universalizado, tendo em comum amor e devoção dosados pelo bom senso. A infelicidade tem ao menos algo que é igual em todas as famílias, a sensação profunda de uma ingratidão dos filhos para com os pais, porque todos os pais, sem exceção, diante da infelicidade familiar tomam para si a certeza da ingratidão dos filhos.
Como afirmou Julio Cortázar, os filhos não são ingratos, eles apenas retribuem o que nós, como pais, oferecemos a eles, se formos omissos teremos deles silêncio, se dermos uma proteção desmedida, teremos em retribuição filhos que errarão mais, se damos um amor incondicional e cego em troca teremos um sujeito cego de responsabilidade.
A infelicidade de Tolstoi na família não é diferente da ingratidão atestada por Cortázar, elas são parte de um mesmo todo, pois não basta ter amor ou vontade para ser pai e mãe, é preciso algo mais e maior, é preciso ser adulto o suficiente para transformar a continuação de nós, a parte mais fina de nós em sujeitos, em seres humanizados e neste ponto não são instintos que podem nos guiar ou ajudar, mas, somente a maturidade crítica que nos distingue de todos os demais seres, pois buscamos, ou assim deveríamos buscar educar para formar sujeitos que tenham na bondade o seu princípio e seu fim.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A Alegria do Ócio


         Por que os filhos crescem? Para que nós, pais, possamos saber que estamos envelhecendo. E se alguns de nós lutamos para não querer ter ciência desta obviedade, tudo parece ficar muito claro quando o filho termina a sua vida escolar.
         O fim da escola para os adolescentes é a ante-sala da vida adulta, a preparação para um mundo novo e permanente, no qual se exige, entre tantas outras coisas, responsabilidade e capacidade de tomar decisões.
         E é neste momento que garotas e garotos são “obrigados” a escolher o que desejarão fazer pelo resto de suas vidas! A pergunta que mais se ouve é: “o que você vai fazer agora?” O que significa perguntar aos filhos da classe média para que carreira irão prestar vestibular.
         A maioria dos pais não pergunta a si e aos seus filhos se eles são maduros o suficiente para escolherem algo que implicará de forma tão decisiva em seu futuro, e creio que esta pergunta não é feita porque tanto pai como mãe tem um medo profundo de ouvir um sonoro NÃO SEI!
         Seria razoável imaginar que depois de anos de escolaridade, mas ainda com 16, 17 anos, houvesseclareza suficiente para se saber ao certo o que fazer pelo resto da vida, mas isto não ocorre na maioria das famílias, e na própria escola, que passa pelo menos três anos condicionando o mantra, vestibular, em todos os adolescentes.
         Como educador e como pai eu não espero que os adolescentes saibam ao final da escola o que fazer, por sinal gostaria imensamente que a maioria deles não soubesse mesmo o que fazer da vida e descobrisse que o ócio, assim como fala o sociólogo italiano Domenico de Masi, um deleite inteligente, pode ser tão útil como a vida ocupada que a família e a sociedade pretendem nos oferecer.
         Em muitos países, ao final do ciclo escolar, as famílias e a própria escola estimulam os jovens a viajar, a viver novas experiências que ajudem a revelar do que é feita a vida adulta, pois estes jovens saem para conhecer novos lugares, novas culturas e para se manter viajando por seis, oito, doze meses, precisam trabalhar em pequenas funções temporárias.
         Descobrir do que é feito este mundo e as pessoas que nele habitam desmistifica a ingenuidade e põe a mostra como o mundo adulto lida com a sobrevivência. Ao invés de ficar horas a fio relendo fórmulas e regras gramaticais, os jovens quando saem de casa por um tempo aprendem, assim como na escola, as fórmulas e regras que regem a vida cotidiana. Aprender novas línguas, conhecer diferentes culturas, fazer contas para comer, para se locomover, negociar com o outro, enfim, algumas aulas de vida.
         Os pais hoje tem o temor que seus filhos cresçam,  tratam seus filhos em um complexo de medo, proteção e omissão. Medo do mundo exterior e das variadas ofertas propiciadas a ele. Uma proteção excessiva na qual se deseja que os filhos passem mais tempo na casa dos pais, cada vez menos se estimula que eles saiam de casa antes do casamento. E a contradição da omissão em meio à proteção, a omissão na verdade se dá reforçando o caráter individualista apregoado pela sociedade, no afã de garantir um sujeito cada vez mais narcisista.
         O ócio ao invés de se tornar algo alegre neste contexto, se torna parte do medo familiar, pensar que um filho não saiba ao certo o que fazer, como fazer e porque fazer da vida ao final da escola impõe aos pais uma sensação de fracasso e medo sobre o futuro, quando em verdade o futuro pertence, e é, uma construção dos filhos e não dos pais. O medo e a proteção desmedida impedem que os filhos possam correr os riscos necessários, que possam aprender para muito além da família e da escola. Aprender por sua conta e risco, aprender com o mundo que o rodeia.
         A classe média  não consegue se libertar da sanha do Brasil Imperial de ter um filho doutor a qualquer custo, e haja pressão sobre os filhos para serem alguém na vida, e haja cobrança para fazer vestibular, seja lá para o que for, mas que se faça, nada de pensar em alternativas, nada de pensar em um tempo de ociosidade, nada disso, o tempo urge, é preciso fazer algo, não importa o que, mas faça! Afinal estamos aqui para quê? Para ganhar dinheiro e só, ou também para sermos felizes? Alguma vez você, como pai e mãe,  perguntou isto ao seu filho?

sexta-feira, 4 de março de 2011

QUASE NADA, APENAS ATITUDE

A chegada do carnaval sempre traz à baila a forma como a TV aborda a festa e no que se transformou na manifestação pagã mais importante da vida cultural brasileira. De forma geral com a liberação dos costumes o carnaval acaba servindo, ao menos no centro sul do país, para revelar corpos e elevar o grau de erotismo a pontos inimagináveis em outras culturas.
         Em verdade está, digamos, aceitação da erotização extremada do carnaval se coaduna com outras manifestações que compõe a nossa vida “cultural” no decorrer do ano. Com uma abundância de grupos musicais altamente sensuais, que nascem e morrem com incrível rapidez, nos “acostumamos” a ver corpos adultos e bem formados impondo gestos e insinuando atos enquanto repetem refrões maliciosos em harmonias musicais empobrecidas.
         Curiosamente estes grupos acabam tendo uma grande influência sobre o público infantil, e o que se vê são meninas, principalmente meninas, repetindo gestos e trejeitos em uma agressão a sua própria condição infantil, afinal crianças, meninas de 9, 10, 11 anos ou até menos, são sujeitos em formação seja no seu caráter seja na sua psique, e são incapazes de dimensionar a vulgaridade quando disfarçada em estética ou objeto cultural.
         Quando chega o carnaval, como uma síntese do ano, somos brindados com sinopses deste movimento erótico extremado, a própria sociedade incorporou isto como normal. A maior anomalia não são as crianças que desfilam nas escolas, que enclausuradas em suas alas mal sabendo o que acontece metros à frente, muito pior são aquelas cenas selecionadas pela TV em desfiles e bailes, fazendo crer que o carnaval é o encontro de certa estética minimalista com o desejo sexual.
         Se nos permitimos ter manifestações culturais como esta é por ser parte de nós e da nossa identidade, a TV faz as suas escolhas sustentadas nas suas expectativas comerciais, assim como as gravadoras que nos impõe seus grupos com suas coreografias. Pensar em responsabilidade social ou educativa é tolice, tudo se dá antes de qualquer coisa como uma necessidade comercial.
         Os meios de comunicação de massa transformam tudo em entretenimento, acreditar que tenham preocupação com questões da erotização e sua influência sobre a formação e a educação das crianças é fantasiar a realidade. Creio sim, que o grande problema está na família, pai e mãe omissos incapacitados de dizer não para seus filhos: “não vai assistir este programa!” não vou comprar tal CD!” e assim por diante, estabelecendo claramente o que desejam para formação de seus filhos.
         Colocar sobre os meios de comunicação de massa  toda a responsabilidade sobre erotização do carnaval e outras manifestações culturais, apenas referenda que a família é impotente e/ou incompetente para dizer aos seus membros , em especial seus filhos, o que ver e ouvir.
         Em uma grande inversão de valores, os pais acorrem a escola onde estudam seus filhos com as queixas mais descabidas e as demandas mais protetoras, na proporção inversa que abandonam seus filhos diante dos meios de comunicação de massa com enorme passividade e indiferença.
         Se as classes sociais mais pobres foram privadas da escola, e, portanto parecem mais disponíveis as manipulações da TV, até por terem nela um dos seus únicos meios de lazer, as classes médias disponibilizam seus filhos muito mais pelo silêncio e a cegueira, pelo não saber ao certo o que vêem e ouvem, do que por outra razão. Ao desejar que a televisão e os demais meios de comunicação se tornem menos erotizados, mais educativos e menos apelativos é preciso que haja reciprocidade do outro lado, que aquele que liga a TV ou compra um CD saiba exatamente o que deseja oferecer como objeto cultural aos seus filhos.
         É quase nada, uma mera questão de atitude dos pais saberem que tipo de educação quer eles oferecer aos seus filhos, é quase nada.