A maioria das pessoas na
vida cotidiana usam as palavras sem nenhuma grande preocupação com seu
significado. Em verdade o senso comum é e deve ser assim, porém se tiver um
pouco de atenção com cada uma das palavras proferidas pelas figuras do estado,
pelos sujeitos que controlam a vida social, jurídica e econômica de país
acabamos por nos dar conta de quão importante é saber o que é a palavra.
A filosofia da linguagem
poderia ser de grande auxílio aqui, mas não creio ser necessário se debruçar
sobre ela para entender o que iremos tratar. Lendo sobre a história recente da
Argentina; A Ditadura Militar Argentina
1976-1983 editado pela Edusp, me indaguei sobre uma questão, a palavra
Guerra. A ditadura militar argentina, foi a mais cruel e violenta do
subcontinente sul americano, mais que a chilena gestada por Pinochet. Em
números se fala em 30 mil mortos e desaparecidos, e algo em torno de 300 a 500
crianças, filhas destes desaparecidos, mortas ou desaparecidas.
Os militares argentinos, com
a conivência dos Estados Unidos, de instituições respeitáveis como parte da
elite da igreja e de outras instituições sociais se arrogou o direito não só de
matar e eliminar os inimigos do estado, se pôs a missão messiânica, como bem
lembram os autores do livro, de salvar a Argentina de uma ralé incivilizada e bárbara
que colocava em risco cultura e modo de vida argentino.
A escolha da palavra Guerra não é gratuita, foi usada por
outras ditaduras pelo mundo, mas aqui
adquiri conotação especial dada as suas particularidades, violência e
desumanização total de suas vítimas. Em uma guerra, por definição, sugiro se
consultar a Enciclopédia Einaudi o
verbete guerra, nele esta claro que um conflito armado não se da realizando
sequestros ou emboscadas, a amplitude do conceito não deixa dúvidas que o que
se fez na Argentina, assim como no Chile, no Brasil e no Uruguai foi o
terrorismo de estado, o uso indiscriminado do aparato estatal com homens,
armas, instituições em prol de uma causa político-militar clara, liquidar a oposição.
A palavra guerra não é casual nos discursos e documentos oficiais, ela é a
busca efetiva da legitimação de atos, que na maioria dos casos e,
especificamente na questão argentina com as crianças, injustificável, mesmo em
uma guerra, mas não para terroristas.
Uma guerra se dá entre
soldados profissionais e em terreno específico, tendo como balizamento tratados
e normas de conduta de ambas as partes. Não estamos afirmando que a guerra é um
campo ético, mas é algo feita por profissionais que se colocam em pé de
igualdade no campo de batalha, e em fim de contas, devotam respeito pelo
oponente. Os estados ditatoriais e seus generais carniceiros usaram ainda a
palavra guerra para buscar uma legitimação de ação inexistente, pois não é
guerra, e isto é pensado e elaborado em minúcia, não é casual. A guerra que não
houve mas precisa ser inventada para fazer sentido tudo o que nem em uma guerra
teria sentido algum.
O terrorismo de estado esta
baseado em outra coisa, a força subjugadora de sujeitos desarmados, o recurso
de sequestros é eficaz, usando do efeito surpresa se prende, tortura, mata e,
no caso argentino se saqueava as residências e bens dos sequestrados e se
desnaturalizava seus filhos. Desnaturalizar é dar a recém-nascidos ou crianças
pequenas outra identidade, uma nova família, desenraizar o sujeito, e pior em
alguns casos, ou em todos eles, seus novos pais, são cúmplices do assassinato
dos pais naturais.
A palavra guerra aqui não
cabe, ela é ofensiva, é um baixo calão, a guerra de fato não se presta a isto,
não cumpre a tarefa de buscar a apagar memórias ou reinventar sujeitos, será
preciso pensar em outra palavra, inventarmos mesmo um termo que defina isto, a
barbárie travestida de conflito, se transformou em uma monstruosidade, não
existem explicações, não existem justificativas, sequestros, torturas, mortes,
eliminação de corpos jogados no mar e crianças rifadas entre seus algozes
demandam outra definição, as palavras não nos livram do mal(u), mas ajudaria, e
muito ofertando, uma outra reflexão á atos como este, assim como holocausto é
usado para definir a política de extermínio nazista para os judeus.