quarta-feira, 18 de abril de 2012

A Palavra



A maioria das pessoas na vida cotidiana usam as palavras sem nenhuma grande preocupação com seu significado. Em verdade o senso comum é e deve ser assim, porém se tiver um pouco de atenção com cada uma das palavras proferidas pelas figuras do estado, pelos sujeitos que controlam a vida social, jurídica e econômica de país acabamos por nos dar conta de quão importante é saber o que é a palavra.
A filosofia da linguagem poderia ser de grande auxílio aqui, mas não creio ser necessário se debruçar sobre ela para entender o que iremos tratar. Lendo sobre a história recente da Argentina; A Ditadura Militar Argentina 1976-1983 editado pela Edusp, me indaguei sobre uma questão, a palavra Guerra. A ditadura militar argentina, foi a mais cruel e violenta do subcontinente sul americano, mais que a chilena gestada por Pinochet. Em números se fala em 30 mil mortos e desaparecidos, e algo em torno de 300 a 500 crianças, filhas destes desaparecidos, mortas ou desaparecidas.
Os militares argentinos, com a conivência dos Estados Unidos, de instituições respeitáveis como parte da elite da igreja e de outras instituições sociais se arrogou o direito não só de matar e eliminar os inimigos do estado, se pôs a missão messiânica, como bem lembram os autores do livro, de salvar a Argentina de uma ralé incivilizada e bárbara que colocava em risco cultura e modo de vida argentino.
A escolha da palavra Guerra não é gratuita, foi usada por outras ditaduras pelo  mundo, mas aqui adquiri conotação especial dada as suas particularidades, violência e desumanização total de suas vítimas. Em uma guerra, por definição, sugiro se consultar a Enciclopédia Einaudi o verbete guerra, nele esta claro que um conflito armado não se da realizando sequestros ou emboscadas, a amplitude do conceito não deixa dúvidas que o que se fez na Argentina, assim como no Chile, no Brasil e no Uruguai foi o terrorismo de estado, o uso indiscriminado do aparato estatal com homens, armas, instituições em prol de uma causa político-militar clara, liquidar a oposição. A palavra guerra não é casual nos discursos e documentos oficiais, ela é a busca efetiva da legitimação de atos, que na maioria dos casos e, especificamente na questão argentina com as crianças, injustificável, mesmo em uma guerra, mas não para terroristas.
Uma guerra se dá entre soldados profissionais e em terreno específico, tendo como balizamento tratados e normas de conduta de ambas as partes. Não estamos afirmando que a guerra é um campo ético, mas é algo feita por profissionais que se colocam em pé de igualdade no campo de batalha, e em fim de contas, devotam respeito pelo oponente. Os estados ditatoriais e seus generais carniceiros usaram ainda a palavra guerra para buscar uma legitimação de ação inexistente, pois não é guerra, e isto é pensado e elaborado em minúcia, não é casual. A guerra que não houve mas precisa ser inventada para fazer sentido tudo o que nem em uma guerra teria sentido algum.
O terrorismo de estado esta baseado em outra coisa, a força subjugadora de sujeitos desarmados, o recurso de sequestros é eficaz, usando do efeito surpresa se prende, tortura, mata e, no caso argentino se saqueava as residências e bens dos sequestrados e se desnaturalizava seus filhos. Desnaturalizar é dar a recém-nascidos ou crianças pequenas outra identidade, uma nova família, desenraizar o sujeito, e pior em alguns casos, ou em todos eles, seus novos pais, são cúmplices do assassinato dos pais naturais.
A palavra guerra aqui não cabe, ela é ofensiva, é um baixo calão, a guerra de fato não se presta a isto, não cumpre a tarefa de buscar a apagar memórias ou reinventar sujeitos, será preciso pensar em outra palavra, inventarmos mesmo um termo que defina isto, a barbárie travestida de conflito, se transformou em uma monstruosidade, não existem explicações, não existem justificativas, sequestros, torturas, mortes, eliminação de corpos jogados no mar e crianças rifadas entre seus algozes demandam outra definição, as palavras não nos livram do mal(u), mas ajudaria, e muito ofertando, uma outra reflexão á atos como este, assim como holocausto é usado para definir a política de extermínio nazista para os judeus.

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