sábado, 26 de fevereiro de 2011

PORQUE EU TE AMO! AS CONTRADIÇÕES DO AMOR DOS PAIS


No amor paterno/materno a liberdade inexiste por concepção e crença dos criadores e não das criaturas amadas, justamente por serem pai/mãe, criadores, acredita-se que há um elo de amor infinito e indissociável que une os dois lados e não há liberdade de se escolher, de se querer ou não romper com tal amor, pois a descrença, a decepção, a mágoa são vistas como menores diante do sentimento outorgado por pai/mãe ao filho.
Se este é um amor sem liberdade, é também um amor de incondicionalidade irrestrita no qual o nível de tolerância e aceitação por parte de pai/mãe em relação ao filho não conhece limites. Do alto da utopia imaginada pelos criadores fica o filho à mercê dos devaneios de pai/mãe. E até enxergam os olhos do coração? Na maioria das vezes os olhos postos sobre o coração são míopes, não conseguem efetivamente perceber que por trás da humanidade do erro, e a vida para fora da redoma protetora da casa, a realidade impõe contradições e reações que, como pai/mãe não se deseja, não se imagina, mas se vive e neste momento as qualidades racionais, motores da nossa existência adulta se perdem por entre sentimentos confusos de resignação, culpa e acolhimento.
Um amor como esse criado por pai/mãe, quando exposto na vida público, e a escola é seu palco privilegiado, revelam o quanto é cego de si e de suas implicações para os filhos, vivi no ambiente escolar dezenas e dezenas de situações no qual os pais se punham a duvidar das atitudes dos filhos, se punham a questionar a lisura da escola e dos educadores por narrarem ações de seus filhos, e antes de crer que seu filho possa ter ofendido, roubado ou agredido, os pais questionam o educador para saber a veracidade dos fatos. Antes de acreditar que seu filho á capaz de cometer desatinos, os pais acreditam que a escola é feita de desatinados, a frase mais dita é: “ele não é assim em casa!” E fantasticamente boa parte dos pais sempre encontra uma justificativa para os atos cometidos por seus filhos, são os olhos do coração, sem nenhum juízo, apoiados pelo amor incondicional quem fala o tempo todo, e mesmo quando os filhos erram, culpados são os outros sejam eles quem for, uma outra criança, uma má companhia adolescente ou mesmo um professor ou educador, mas meu filho não erra! Nunca.
Se for compreensível a quem vive na escola esta postura e discurso dos pais, ela não é em nada tolerável ou aceitável. E o entendimento de tal ação dos pais parece-me bem sustentada no sentimento de amor que unem eles aos seus filhos, e a utopia imaginada por pai/mãe não concebe a hipótese da normalidade infantil ou da intolerância arredia adolescente. Está posto, a partir do sentimento paterno/materno que faça o que fizer os filhos precisam  ser justificados e legitimados na vida pública, se internamente aos pais fica um grande sentimento de culpa pelo erro, ele nunca ou raramente é declarado e a omissão muitas vezes se transforma em conivência com as vontades e desejos dos filhos.
A ideologia do amor paterno/materno fez dos pais reféns de seus filhos, inventam um estatuto próprio para definir as relações de afeto e carinho que unem as duas partes mediado por uma convicção quimérica de que os filhos muitas vezes estão acima do bem e mal, pois dentro do imaginário não se concebe o erro, a dor ou a infelicidade tudo que lá reside, é delimitado pela utopia do projeto humano ideal e idealizado como continuação, melhor e melhorada de si mesmo como sujeito, como cidadão, como homem/mulher, como aluno, como profissional como pai/mãe.
Nos planos ideológicos interpostos a nós tudo se torna dever e verdade em si mesmo, por esta razão é o  plano ideológico algo sobre o qual não se pensa, não se reflete, e como tal se mantém ao nosso redor inamovível, por não sermos aptos a dar eles um estatuto crítico, pois se assim o fizer o julgamento reservado é o da execração, e assim seremos vistos, e postos na berlinda, como pai/mãe desprovidos de sentimento paterno/materno, no limiar entre a barbárie e o delito.
A revelação do amor como sentimento justo que ata a vida dos sujeitos saiu da esfera revolucionária dada pela contra-cultura dos anos 1960 e adentrou o século XXI como perversidade tirânica que rouba de pai/mãe o verdadeiro sentido da paternidade/maternidade responsável e formativa da prole. Como uma corda repleta de nós em um emaranhado no qual não sabemos sequer onde está a ponta que principia tudo, é assim que se vive o amor paterno/materno, por vezes encontra-se a origem e desatam-se alguns nós, por vezes os nós parecem até fáceis de serem soltos, mas sem o princípio da corda tudo parece impossível ou inútil de se fazer.
O mundo burguês deu a nós o privado do amor como fio condutor entre a paternidade/maternidade e existência da prole, mas ao mesmo tempo recobriu o sentimento de uma tirania pontuada pelas mais elementares das metáforas, as vontades materializadas em coisas que decodificam o amor em ato material tangível aos olhos, insensível a alma.

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