segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Brasileiro nunca foi Cordial




Desde a minha infância ouço que o povo brasileiro é cordial, um arremedo das profundas reflexões de Sergio Buarque sobre a formação do Brasil acabou virando lugar comum, em especial durante a ditadura militar 1964-1982, no exato momento da minha educação básica.
Repetia-se a exaustão, até para se contrapor a imagem de um estado ditatorial e violento e ao mesmo tempo, isolar os grupos de esquerda que faziam uso da guerrilha para se opor ao regime. Em casa, minha mãe, assim como minhas professoras na escola primária e depois no ginásio diziam, “somos um país abençoado, sem guerras, sem violência religiosa, sem revoltas.” Nosso povo é pacífico e cordial, por isso recebemos tantos e tantos imigrantes, de todas as matizes e credos e os incorporamos a nossa sociedade já miscigenada.
O imaginário social, assim como no discurso oficial e ideológico éramos o povo cordial por excelência, nada poderia abalar nossas convicções acerta de tal certeza. Como me fiz desde adolescente militante político de esquerda, este discurso foi rechaçado por mim desde sempre, e apenas me divertia hoje com as piadas do colunista da Folha de São Paulo, José Simão que ironiza cotidianamente a nossa cordialidade e a crença ainda vigente no senso comum.
Depois de anos sem me sentir acossado pela pecha de ser parte de um povo cordial, fui tomado no mais profundo espírito juvenil, um estado de pura nostalgia da minha juventude, no último dia dezessete desci no aeroporto internacional de Guarulhos vindo de Portugal, comprimido na esteira feita para cem pessoas estava eu e outras duzentas e cinqüentas no encalço da sua mala, quando me dei conta do que anunciava os potentes alto falantes da área de desembarque, dizia uma ladainha do tipo:
       “Senhores passageiros, recolham a sua bagagem mesmo que tenha uma conexão neste aeroporto, pois as suas malas não serão despachadas”
O falatório é mais longo e prolixo mas, a essência era esta, se você fosse fazer uma conexão pegue sua mala na esteira porque senão ela aqui ficará. A questão era que havia mais três esteiras além da minha, a esquerda uma com um vôo proveniente de Frankfurt, e a minha direita um vôo que havia chegado de Zurique, me dei conta que os alto falantes apenas falavam em português, e nada mais, a voz era de um jovem, que lia nervosamente o comunicado, repetidas vezes, mas sempre em português, porém e quem não fala português como fica? Não fica. Simples assim.
Comecei a ficar angustiado com as centenas de estrangeiros que estavam ouvindo aquela ladainha monoglota, e fiquei pensando, se eu estivesse em Istambul, no aeroporto e o cara ficasse dando avisos importantes somente em turco o que seria de mim? Provavelmente eu entenderia que estava em um lugar hostil, no qual ser estrangeiro deva ser um fardo, pois, se na porta de entrada do país as pessoas sequer se dão ao trabalho de falar um língua mais universal que a sua, como inglês, como será daquela porta para fora? Para quem já viajou por lugares menos óbvios como leste europeu, sudeste asiático e Ásia central, sabe o que estou dizendo, não poder ser compreendido ou não compreender o outro é dramático, e pior ainda quando o outro não faz a menor questão de ser entendido.
Se um dia eu tivesse acreditado na nossa cordialidade eu teria deixado de crer ali, naquele momento, um absurdo um país no qual o aeroporto é monoglota, e pouco se importa com quem chega, com o estrangeiro, sinceramente senti um misto de vergonha e angústia diante de muitos que sequer faziam idéia do que ocorria a sua volta. Não somos cordiais, não desejamos ser cordiais, quando muito creio sermos subservientes, mas cordial não.  

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