Desde a minha infância ouço
que o povo brasileiro é cordial, um arremedo das profundas reflexões de Sergio
Buarque sobre a formação do Brasil acabou virando lugar comum, em especial
durante a ditadura militar 1964-1982, no exato momento da minha educação
básica.
Repetia-se a exaustão, até
para se contrapor a imagem de um estado ditatorial e violento e ao mesmo tempo,
isolar os grupos de esquerda que faziam uso da guerrilha para se opor ao
regime. Em casa, minha mãe, assim como minhas professoras na escola primária e
depois no ginásio diziam, “somos um país abençoado, sem guerras, sem violência
religiosa, sem revoltas.” Nosso povo é pacífico e cordial, por isso recebemos
tantos e tantos imigrantes, de todas as matizes e credos e os incorporamos a
nossa sociedade já miscigenada.
O imaginário social, assim
como no discurso oficial e ideológico éramos o povo cordial por excelência,
nada poderia abalar nossas convicções acerta de tal certeza. Como me fiz desde
adolescente militante político de esquerda, este discurso foi rechaçado por mim
desde sempre, e apenas me divertia hoje com as piadas do colunista da Folha de
São Paulo, José Simão que ironiza cotidianamente a nossa cordialidade e a
crença ainda vigente no senso comum.
Depois de anos sem me sentir
acossado pela pecha de ser parte de um povo cordial, fui tomado no mais
profundo espírito juvenil, um estado de pura nostalgia da minha juventude, no
último dia dezessete desci no aeroporto internacional de Guarulhos vindo de
Portugal, comprimido na esteira feita para cem pessoas estava eu e outras
duzentas e cinqüentas no encalço da sua mala, quando me dei conta do que
anunciava os potentes alto falantes da área de desembarque, dizia uma ladainha
do tipo:
“Senhores passageiros, recolham a sua
bagagem mesmo que tenha uma conexão neste aeroporto, pois as suas malas não
serão despachadas”
O falatório é mais longo e
prolixo mas, a essência era esta, se você fosse fazer uma conexão pegue sua
mala na esteira porque senão ela aqui ficará. A questão era que havia mais três
esteiras além da minha, a esquerda uma com um vôo proveniente de Frankfurt, e a
minha direita um vôo que havia chegado de Zurique, me dei conta que os alto
falantes apenas falavam em português, e nada mais, a voz era de um jovem, que lia
nervosamente o comunicado, repetidas vezes, mas sempre em português, porém e
quem não fala português como fica? Não fica. Simples assim.
Comecei a ficar angustiado
com as centenas de estrangeiros que estavam ouvindo aquela ladainha monoglota,
e fiquei pensando, se eu estivesse em Istambul, no aeroporto e o cara ficasse
dando avisos importantes somente em turco o que seria de mim? Provavelmente eu
entenderia que estava em um lugar hostil, no qual ser estrangeiro deva ser um
fardo, pois, se na porta de entrada do país as pessoas sequer se dão ao
trabalho de falar um língua mais universal que a sua, como inglês, como será
daquela porta para fora? Para quem já viajou por lugares menos óbvios como
leste europeu, sudeste asiático e Ásia central, sabe o que estou dizendo, não
poder ser compreendido ou não compreender o outro é dramático, e pior ainda
quando o outro não faz a menor questão de ser entendido.
Se um dia eu tivesse
acreditado na nossa cordialidade eu teria deixado de crer ali, naquele momento,
um absurdo um país no qual o aeroporto é monoglota, e pouco se importa com quem
chega, com o estrangeiro, sinceramente senti um misto de vergonha e angústia
diante de muitos que sequer faziam idéia do que ocorria a sua volta. Não somos
cordiais, não desejamos ser cordiais, quando muito creio sermos subservientes,
mas cordial não.
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